“Não estou nem aí com os mortos da Síria ou da Rocinha.”

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Como muitas vezes falamos ou escrevemos de uma maneira que não tem nada a ver com o que acreditamos.

Certo dia ouvi de uma pessoa, que me parecia muito competente em sua área de atuação profissional, algo que me impressionou bastante.

“Eu não consigo me comunicar. Está tudo na minha cabeça, mas não consigo passar para o papel, contar para o meu chefe ou escrever num e-mail. Eu não sou criativa, meu dia-a-dia é muito agitado, cliente pedindo coisa de todos os lados, não dá tempo de pensar. E acabo passando uma mensagem totalmente contrária do que eu queria.”

Por que será que temos tanta dificuldade de nos comunicar uns com os outros se fazemos isso praticamente o dia inteiro?

Desde o momento que levantamos da cama até a hora que vamos dormir, nossa rotina é tomada por mensagens enviadas e recebidas, mas existe um grau de ruído e desatenção entre nós que nos distancia do entendimento do que o outro espera da gente.

E é por este motivo que a comunicação não acontece, porque sem levar em conta essa ponte com quem nos ouve ou lê, não há empatia e aquilo que pretendemos dizer dificilmente chega do outro lado da maneira esperada.

Curioso que quando estamos no cafezinho com o colega na empresa sabemos defender muito bem nossas visões, contar um determinado assunto e até aglutinar uma roda interessante em torno de nós.

Falamos sobre o que achamos das guerras internacionais, da crise brasileira, da última série legal a que assistimos, da escalação para o próximo clássico do futebol, da viagem que fizemos (ou vamos fazer), e qualquer outro assunto com muito mais objetividade e coerência do que na forma escrita.
 

A batalha maior vem daqui: de nós mesmos.

A dificuldade parece surgir quando precisamos nos abrir para a escuta e criar um canal de comunicação em que possamos transportar nossa clareza de ideias para o papel, e-mail, post nas redes sociais ou outros formatos.

Nosso grau de humanidade, quando é ao vivo e em cores, se mostra muito mais bem sucedido. O nó se estabelece quando ele vai para outros lugares: perdemos a autenticidade e partimos muitas vezes para as palavras empoladas, ditas sofisticadas, e para a falta de coesão na linguagem, o que torna a comunicação difícil de ser recebida e  interpretada.

Alhos por bugalhos.

É como se passássemos a impressão de que os mortos da Síria ou da Rocinha não cheirassem à nossa frente e a nossa opinião fosse mais soberana do que as dores de quem falamos.

Por mais surreal que seja essa impressão, é assim que somos muitas vezes percebidos pela nossa audiência quando não nos comunicamos adequadamente.

Não, eu cabalmente não acredito que eu ou você possamos apoiar a atrocidade da guerra lá fora ou aqui dentro.

E mais do que isso: eu cabalmente acredito que todos nós somos capazes de nos comunicar bem, sermos criativos na nossa escrita e defender a humanidade na Síria, na Rocinha e nas histórias que contamos e vendemos todos os dias.
 

Por Cintya A Nunes
Colaboradora da Salamarela, redatora publicitária, produtora de conteúdo, storyteller ou, se preferir, contadora de histórias corporativas com finais felizes.